«A escrita destes textos repentistas, feita de instantes fugazes e de imagens de ocasião, confirma a vivacidade criativa do nosso povo em matéria de uma expressão linguística própria, que todos recordamos da infância, da pobreza e das nossas casas familiares — tanto na Maia como em Rabo de Peixe, na Ribeira Quente ou mesmo em todo o concelho do Nordeste. Lá estão e por lá perduram estes mesmos e outros ‘Guardadores de Memórias’ do povo. Disso se ocupa este segundo volume de narrações, em linha com o primeiro (de 2018). O autor designa-os por ‘contos’.
Não estando em causa discutir aqui a ideia formal dos géneros narrativos, prefiro antes chamar-lhe ‘casos’ — no sentido em que antigamente ouvíamos alguém contar-nos não uma história, mas um ‘caso’.
Não sei de que métodos usou Roberto Pereira Rodrigues, seu autor, para escrever tal variedade de episódios e situações, com os respectivos perfis humanos e sociais, e com eles construir os painéis multidisciplinares deste livro — entre o dizer e o ouvir, a memorização e a vivência das personagens, intrigas e formas de ser no quotidiano rural de uma freguesia de São Miguel, a Maia das ruas planas e cruzadas entre si. Mas sei que o autor se move pelo conhecimento e pelo interesse dos registos escritos, trabalhados com a precisão das diversas vozes deste livro. A primeira delas é a do narrador, que pode confundir-se com a do próprio autor.
Não ficam na memória da nossa leitura deste livro nem grandes feitos, nem enredos notáveis, nem efeitos de ficção. Retemos, sim, a autenticidade de uma literatura com tempo e lugar, da qual nos sobram a escrita fluente de Roberto Pereira Rodrigues (a escrita própria, dele mesmo, e aquela que ele transcreve).
Atrevo-me a chamar textos casuais a esta escrita sobre o quase-nada ou coisa nenhuma do tempo que passa sobre casas, ruas e pessoas.»
João de Melo